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quinta-feira, 9 de abril de 2020

Jesus Cristo e Mitologia, de Rudolf Bultmann


Introdução
O livro de Rudolf Bultmann Jesus Cristo e Mitologia é uma coletânea de palestras proferidas no começo da década de 1950 em diversas faculdades e universidades, muitas delas situadas no continente norte-americano1. A obra é concisa, mas explica e defende importantes pontos da hermenêutica da demitologização,2 proposta por Bultmann, em sua abordagem do Novo Testamento (NT). Dentro disso, questões como escatologia, mito e história, existencialismo filosófico e revelação são tratadas pelo autor.
Exposição e avaliação dos capítulos de Jesus Cristo e mitologiaNo primeiro capítulo do livro (p. 11-18), o autor procura mostrar a concepção, tanto de Jesus quanto da comunidade cristã primitiva, de que o reino de Deus se constituía num grande drama cósmico escatológico, que traria o julgamento sobre os injustos e inauguraria o novo tempo de felicidade para os justos. Tal perspectiva é entendida por Bultmann como mitológica e antiga, portanto, totalmente incompreensível para o homem moderno, o qual possui uma concepção de mundo científica e enxerga os eventos como uma relação de causa e efeito. Assim, ele propõe a necessidade e possibilidade de se interpretar o significado mais profundo por trás das concepções mitológicas da pregação neotestamentária, a fim de que esta continue a ser relevante para o homem moderno.
Sem dúvida, é importantíssima a percepção de Bultmann acerca da distinção entre a cosmovisão da época dos autores bíblicos e da era moderna. Qualquer método hermenêutico bíblico que se preze precisa compreender o abismo histórico, científico e cultural interposto entre o leitor moderno e o autor bíblico. Além disso, o autor destaca com propriedade a necessidade de se perceber qual a relevância da mensagem do NT para o mundo de hoje. Isto, certamente, é uma resposta à escola da “história das religiões”, a qual por meio do método histórico-crítico se preocupava em compreender o passado sem dar importância a seu relacionamento com o presente.3  Ele demonstra sensibilidade e perspicácia ao questionar o uso meramente ético da mensagem de Jesus e também em reconhecer que há algo mais na pregação do reino de Deus além de sua redução ao evangelho social. Tais observações confrontam diretamente o liberalismo teológico, especialmente as propostas de Schleiermacher, Ritschl e Harnack, que reduziram o cristianismo à ética do amor e justiça e à preocupação com questões sociais.4
Em contrapartida, a ligação direta que o autor faz do conceito de reino de Deus escatológico de Jesus com os círculos judaicos de sua época requer consideração. A única distinção que Bultmann faz entre as duas perspectivas escatológicas diz respeito aos detalhes das descrições apocalípticas, presentes nos escritos judaicos, mas ausentes na mensagem de Jesus. Com exceção disso, para Bultmann, Jesus “não deixou de participar da expectação escatológica de seus companheiros”.5  Porém, o autor falha em não observar que há diferenças profundas por trás das semelhanças superficiais.
Uma delas é a perspectiva exclusivista refletida nos escritos apocalípticos judaicos pós-exílicos a respeito do reino de Deus como pertencente a Israel e promovendo sua soberania sobre as demais nações (Ver Assunção de Moisés 10.8-10; Jubileu 15.31; 31.7-17). Enquanto isso, o reino de Deus proclamado por Jesus requer o arrependimento e confiança nas boas novas do reino por parte de todos, sejam judeus ou gentios (Mc 1.15; 10.15; Lc 5.27-32). Os próprios filhos naturais do reino poderão ficar fora dele, ao passo que muitos gentios entrarão e participarão de seu banquete (Mt 8.11-12).
Outro exemplo que revela uma diferença marcante entre o judaísmo e a mensagem de Jesus é o conceito messiânico. Para o judaísmo, o Messias possui um caráter fortemente político (cf. Salmos de Salomão 17.21ss; 4 Esdras 7.26ss; Apocalipse de Baruque 72ss), em nada se assemelhando ao Servo Sofredor, proclamado e vivenciado por Jesus, que dá a sua vida como resgate de muitos (Mt 20.28; Mc 8.29-31; 10.45).
O significado da mitologia desenvolvido por Bultmann, ainda no primeiro capítulo, requer avaliação e crítica. Especialmente, por igualar a visão mitológica antiga com a cosmovisão bíblica:
A mitologia … Crê que o mundo e a vida humana têm seu fundamento e seus limites em um poder que está mais além de tudo aquilo que podemos calcular ou controlar. A mitologia fala deste poder de forma inadequada e insuficiente, porque o considera um poder humano. Fala de deuses, que representam o poder situado mais além do mundo visível e compreensível… Tudo o que acontece é igualmente válido para as concepções mitológicas que se dão na Bíblia.
Os evangelistas, inclusive João, não parecem retratar a vida e obra de Jesus de Nazaré em termos míticos ou simbólicos. A preocupação deles é mostrar que são testemunhas reais ou pesquisadores de um evento que se deu no tempo e espaço, passível de constatação humana. Lucas, no início de seu evangelho, ressalta que sua obra é fruto de investigação cuidadosa acerca dos fatos ocorridos durante a vida, morte e ressurreição de Jesus (Lc 1.1-4). João mostra que a visão humana do primeiro século não era exclusivamente mitológica como Bultmann afirma, pois diante do anúncio acerca da ressurreição de Jesus pelos discípulos, Tomé demonstra um ceticismo digno do homem moderno (Jo 20.24-25) e só crê quando se depara com o fato diante de seus olhos (20.26-29).
No Novo Testamento, a Primeira Carta de João tem como um dos focos principais refutar a perspectiva mitológica do gnosticismo incipiente e, para isso, o apóstolo descreve Jesus como um ser humano histórico, capaz de ser visto, ouvido e apalpado (1 Jo 1.1-4). Quando Paulo afirma a ressurreição física de Cristo, não deixa espaço para a ideia de mito, mas, fundamenta este fato no testemunho de várias pessoas que se encontraram com o Jesus ressurreto (1 Co 15.3-8). Igualar a perspectiva mítica de religiões antigas à cosmovisão do kerygma bíblico é um equívoco grotesco.
No segundo capítulo do livro (p. 19-28), o autor desenvolve o significado da escatologia neotestamentária, traçando paralelos e distinções entre o pensamento bíblico e o grego. Como resultado, Bultmann destaca que dentro do pensamento escatológico cristão se encontra a concepção de que este mundo carece de valor, por causa da maldade humana e devido ao juízo iminente de Deus. Assim, os homens são chamados ao arrependimento e ao cumprimento da vontade de Deus, na expectativa da felicidade futura e eterna, após a morte, que trará liberdade do pecado e comunhão serena com Deus. Para o autor do livro, tal perspectiva é entendida como mitológica, cujo sentido mais profundo significa estar aberto ao futuro de Deus para cada ser humano, o qual será de juízo para aqueles que se prendem a este mundo e não se abrem ao futuro divino.
A demitologização da escatologia bíblica implica ver o reino escatológico tanto iniciando na vinda de Jesus quanto um acontecimento presente. Assim, Bultmann entende que tanto Paulo, de modo parcial, e João, de maneira radical, iniciaram esse processo hermenêutico em seus escritos. No capítulo seguinte (p. 29-35), de modo mais específico, propõe-se a demonstrar a diferença entre a visão bíblica, que cria em milagres mediante a intervenção direta do sobrenatural sobre o mundo natural, e a perspectiva moderna, que busca compreender os acontecimentos do mundo de forma racional, indagando a respeito de suas causas e recorrendo aos resultados das diversas ciências.
O autor chega à conclusão de que é necessário abandonar a visão de mundo mitológica bíblica, a fim de perceber a importância de seu sentido mais profundo, o qual consiste num chamado ao homem moderno para que abandone toda a segurança em suas próprias capacidades e recursos científicos e se disponha a encontrá-la somente em Deus. Assim, diante da invisibilidade e incompreensibilidade de Deus no âmbito do mundo e pela razão humana, a fé consiste em estar aberto para encontros existenciais e pessoais com Deus, o qual permanece um mistério.
As observações e propostas de Bultmann nestes dois capítulos, resumidos acima, mostram-se deficientes em alguns pontos. Primeiramente, não se pode dizer que Paulo e João iniciaram o processo de demitologização da pregação escatológica de Jesus, pois, ainda que enxergassem certos acontecimentos ocorridos com Cristo, e a partir de sua ressurreição, como cumprimento das esperanças proféticas, isso não os levou a descartar a cosmovisão bíblica de milagres e da ação do sobrenatural neste mundo. É verdade que para Paulo a ressurreição de Cristo marcava o início da era escatológica (1 Co 15.20-23; 2 Tm 1.10), mas seu cumprimento pleno é visto, ainda, como futuro, na segunda vinda dele e na ressurreição/transformação dos que lhe pertencem (1 Co 15.23, 50-57; cf. 2 Tm 4.1; Tt 2.13). Já participamos dos últimos dias, mas ainda não completamente. Portanto, a citação de 1 Coríntios 15.54 pelo autor do livro,6  como indicação de uma compreensão paulina do cumprimento presente das expectativas escatológicas, é totalmente inadequada e fora de contexto, já que Paulo faz este pronunciamento diante de algo que ainda está por se cumprir, não como uma realidade completamente presente (τότε γενήσεται ὁ λόγος ὁ γεγραμμένος• Κατεπόθη ὁ θάνατος εἰς νῖκος). Além disso, a suposta demitologização radical de João, interpretando o julgamento e ressurreição escatológicos como ocorridos totalmente na ressurreição de Jesus (“Para João, a ressurreição de Jesus, Pentecostes e a parousia são um só e mesmo acontecimento” ),7 conforme defende Bultmann, não pode ser sustentada diante de um exame mais acurado da escatologia joanina. Por exemplo, no evangelho há a menção da ressurreição futura no “último dia” (Jo 6.39-40, 44, 54) e de um juízo ainda por se dar no “último dia” (Jo 12.48). Na primeira Epístola, a parousia é um acontecimento futuro que se aguarda com esperança, não um evento concretizado no passado (1 Jo 3.2-3).
Outro ponto deficiente dos dois últimos capítulos, aqui resumidos, se apresenta quando o autor busca explicar o significado de fé da forma como exposta na proclamação neotestamentária. Sem dúvida, ele acerta em dizer que fé implica deixar a confiança em si mesmo e depositá-la exclusivamente em Deus (cf. Gl 3.1-13). Todavia, a fé, na pregação bíblica, não se perfaz simplesmente num abandono abstrato da própria seguridade para se lançar num encontro existencial com o divino, mas, requer, também, atitudes específicas como a confissão de que os pecados pessoais ofendem a santidade de Deus e afastam o ser humano dele, além da confiança na salvação oferecida por ele, em sua infinita graça, mediante seu Filho, que torna possível a reconciliação entre o homem e Deus (Rm 3.9-26; Ef 2.1-18). Portanto, a fé não subentende o abandono da razão, como propõe Bultmann, mas o uso desta para entender a mensagem clara e inteligível do evangelho, depositando a confiança em tal mensagem. A mudança de vida mediante a fé em Cristo se caracteriza pela compreensão da verdade e por uma transformação radical no modo de pensar, conforme o ensino paulino (Ef 4.17-24). Ainda que Deus seja incompreensível, ele é cognoscível e sua ação redentora pode ser vista na história humana mediante a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo (Rm 5.8; Hb 1.1; 1 Jo 4.9-16).
O autor lida com a relação entre hermenêutica e filosofia, especialmente com a filosofia existencialista, no capítulo quatro (p. 36-47). Busca demonstrar como a filosofia influenciou certas escolas teológicas na interpretação bíblica, a fim de validar o argumento de que todo intérprete se dirige ao texto debaixo da influência de certas pressuposições. Há uma diferenciação entre pressuposições metodológicas na exegese, que Bultmann entende como legítimas, e pressuposições quanto ao resultado que determina o estudo hermenêutico, consideradas inadequadas e ilegítimas. Ele define o método como o sistema de indagação do texto, o qual varia conforme o interesse do leitor na abordagem de seu objeto de estudo. O autor desenvolve o conceito de “relação vital”, o qual envolve a compreensão prévia de determinado assunto para o estudo deste mesmo assunto dentro de um texto.
Bultmann reconhece a validade dos métodos de investigação histórica no estudo bíblico, todavia, entende que a Bíblia é mais do que uma fonte histórica e se deve escutá-la no que tem a dizer sobre a verdade acerca da vida e da alma do homem moderno. A relação vital traçada pelo livro como metodologia para a leitura da Bíblia se dá na indagação humana acerca de sua existência que, para o autor, é idêntica à indagação a respeito de Deus.
Deste modo, a filosofia existencialista é vista como a concepção metodológica mais adequada para a orientação da exegese bíblica, pois, mostra ao homem a sua necessidade de existir, sem determinar a maneira pela qual esta existência deva ocorrer. Para Bultmann, a análise existencialista auxilia na leitura das Escrituras como a Palavra que interpela cada homem de modo pessoal e o chama a uma decisão. O fato de que a análise existencial não leva em conta a relação do homem com Deus não a torna inadequada para o estudo da Palavra, mas revela um âmbito em que apenas a fé é capaz de compreender e mostra que Deus está além do próprio ser humano.
As observações de Bultmann quanto à impossibilidade de se ler um texto sem quaisquer pressuposições são pertinentes e importantes. Os próprios exemplos apresentados por ele mostram como as pressuposições influem fortemente na interpretação dos conceitos bíblicos. É muito positiva a distinção entre pressuposições que moldam a metodologia e aquelas que influem no resultado, pois, auxilia o intérprete a entender que, apesar de não se poder ler um texto sem concepções prévias, tais concepções não podem determinar a conclusão da leitura de um texto.
A percepção sobre a necessidade de se interpretar a Bíblia não apenas como uma fonte histórica que possibilita a reconstrução do passado, mas, especialmente, como a Palavra de Deus que interpela o homem acerca da verdade quanto à sua vida e alma é elogiável e salutar. Nesse sentido, o autor demonstra uma sensibilidade ao propósito dos escritores bíblicos, os quais escreveram seus livros e cartas com uma preocupação didática quanto à vida cristã. Consequentemente, Bultmann chega à importante conclusão de que “na Bíblia encontraremos palavras autoritativas”.8
Contudo, o uso da filosofia existencialista defendida por Bultmann como método hermenêutico é questionável. Para isso, ele segue alguns passos argumentativos que requerem atenção. Primeiramente, o autor afirma, citando uma frase célebre de Agostinho,9  que o homem estabelece uma relação com Deus ao buscá-lo e possui certo conhecimento prévio da ação de Deus em Cristo.10  Deve-se observar que a argumentação de Bultmann não se sustenta dentro da estrutura do pensamento de Agostinho, pois, apesar deste reconhecer a sede humana natural por Deus, tanto na frase citada quanto na continuidade do texto no Livro I, capítulo 1 de Confissões, o pai da Igreja declara que na busca do homem por Deus há o risco de se invocar outro em lugar dele,11  e a invocação ao Deus verdadeiro se dá apenas mediante a fé na Palavra pregada, não de forma prévia e natural.12  Não é de se admirar que o autor busque uma justificativa para esta sua observação fora do NT. Pois, a teologia do NT é clara em revelar a tendência natural do homem em se afastar do conhecimento disponível na criação a respeito de Deus, adorando a criatura em lugar do Criador (Rm 1.18-25). Além disso, apesar de possuir a imagem divina desconfigurada dentro de si (cf. Rm 2.14-15; 3.23; Tg 3.9), o ser humano só experimenta real relacionamento com Deus por meio da fé na pessoa e obra de Cristo (Jo 14.6, 9; Ef 2.1-18). E esta fé na ação de Deus em Cristo não é inata ao homem, mas, se torna possível quando ele ouve a mensagem do evangelho (Rm 10.17; Ef 1.13).
Um segundo ponto questionável defendido por Bultmann é a afirmação de que a indagação orientadora da interpretação bíblica diz respeito à existência humana, pois esta se iguala à indagação acerca de Deus. Diante disso, ele propõe a análise existencial como a mais adequada, visto que focaliza a necessidade primária do homem em existir, o que implica em conhecer Deus por meio de encontros no seu “aqui” e “agora”.13  O problema maior com esta proposta filosófico-hermenêutica é que sua metodologia de estudo parte de fundamentos externos à própria Bíblia, isto é, não leva em conta a proposta bíblica quanto à existência do homem e de sua maior necessidade. Ademais, a proposta filosófica existencialista de Bultmann peca em limitar Deus e sua revelação aos encontros existenciais experimentados pelo ser humano.
Logicamente, o questionamento do homem acerca de sua própria existência dentro das Escrituras o levará a Deus como seu Criador e Sustentador (At 4.24; 14.15-17; 17.24-28; Cl 3.10; Tg 3.9; Ap 10.6). Todavia, a teologia neotestamentária não focaliza a existência humana como sua preocupação maior, mas sim, a glória de Deus e sua revelação por meio de Cristo. Em outras palavras, o centro hermenêutico do NT é teológico/cristológico, não antropológico. A pergunta orientadora para a exegese, apresentada pelo NT não é “De que modo devo existir?”, mas sim, “Como a revelação de Deus em Cristo reconcilia a humanidade com o seu Criador e lhe possibilita um viver para a glória dele?” (cf. Jo 1.14-18; 14.6, 9; Rm 1.18ss; 3.9-26; 2 Co 5.15-20; Ef 1.3-14; 4.20-24; Fp 2.5-11; Cl 3.9-10; 1 Pe 2.9-10; 2 Pe 1.2-4; et al). Deus não se limita à existência pessoal humana, mas a existência do homem depende totalmente de Deus e de seu ato redentor em Cristo.
 No quinto e último capítulo (p. 49-67), Bultmann concentra seus esforços em refutar argumentos contrários ao programa hermenêutico da demitologização e do entendimento de Deus como ato. O autor busca demonstrar que a fala a respeito de Deus como ato implica a compreensão de que ele age de modo oculto na história, a ponto de não se poder descrever essa ação de maneira objetiva ou científica, distinguindo-se da fala mitológica que enxerga Deus intervindo objetivamente na história e rompendo com a ordem natural dos acontecimentos. Ele também argumenta que a visão acerca da atuação oculta de Deus nos acontecimentos da história não significa panteísmo, pois, por ser oculta esta ação difere dos eventos naturais em si e só é perceptível de modo pessoal, não como um enunciado geral a respeito da imanência divina.
O autor trabalha, ainda, com a possibilidade de se falar sobre Deus, sem incorrer em linguagem mitológica e propõe a rejeição desta em prol da linguagem analógica existencial, isto é, uma linguagem que descreve o encontro com Deus, da mesma forma como se fala das relações existenciais humanas. Isto não implica a limitação da existência de Deus meramente às experiências subjetivas e psicológicas humanas, pois, assim como os fenômenos (e.g. amor, confiança) que ocorrem nas experiências humanas entre amigos, pais e filhos não podem ser captados totalmente por uma metodologia objetiva e isso não anula sua existência, assim, também, a existência real de Deus não pode ser anulada por ser vivenciada apenas no âmbito da fé.
Na segunda parte do último capítulo, o autor defende a concepção de que a nova autocompreensão do crente se acha em mudança e avaliação contínuas, conforme se processam os encontros existenciais da fé em resposta à Palavra de Deus proclamada no aqui e agora. Isso não nega a ação escatológica de Deus de “uma vez por todas” em Cristo, mas mostra a necessidade de se compreender o evento redentor e a demonstração da graça de Deus, proclamados pela Palavra, como um evento atuante e que interpela o homem em seu presente. Assim, o paradoxo se estriba no fato de que a Palavra que ocorre aqui e agora se constitui a mesma “coisa”14  com a palavra proclamada pelos apóstolos e cristalizada no NT.
Por fim, Bultmann conclui que o empreendimento da demitologização se equipara àquele desenvolvido por Paulo e Lutero na doutrina da justificação somente pela fé. Pois, assim como a fé chama ao abandono de qualquer seguridade nas obras, a demitologização chama ao abandono da confiança no conhecimento objetivante.
A proposta do autor de que a ação de Deus na história não é suscetível à comprovação científica, de certa forma, faz jus à infinitude divina que não pode ser compreendida de forma exaustiva pela razão limitada humana. Todavia, no pensamento bíblico, a natureza e o curso da história revelam a existência e poder do Criador: “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra de suas mãos. Um dia fala disso a outro dia; uma noite o revela a outra noite” (Sl 19.1-2).
O discurso paulino em Atos 14 comprova a perspectiva do cristianismo primitivo de que Deus age na história por meio dos acontecimentos profanos:  “… Estamos trazendo as boas novas para vocês, dizendo-lhes que se afastem dessas coisas vãs e se voltem para o Deus vivo que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há … Deus não ficou sem testemunho: mostrou sua bondade, dando-lhes chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo-lhes sustento com fartura… ” (At 14.15, 17). Bultmann erra ao polarizar o agir de Deus na história como totalmente oculto, algo contrário à afirmação bíblica, e por limitar a ação divina simplesmente ao interior dos acontecimentos seculares, não a enxergando como a causa deles.15
Apesar de sua defesa da compreensão existencialista de Deus e de que ela não nega a existência dele fora da fé, algumas afirmações do autor, no livro, parecem contradizer isso. Quando afirma a ilegitimidade de se falar de Deus como o Criador cósmico ou como o ser onipotente, capaz de fazer todas as coisas, e defende que tal linguagem só pode ser usada de modo pessoal e existencial, a partir do momento em que o homem compreende-se como criatura de Deus ou percebe o poder dele o angustiando, Bultmann nega a possibilidade do conhecimento ontológico de Deus.16  É difícil compreender como Deus existe fora da fé, se não se pode falar dele como transcendente a ela, mas, apenas dentro da autocompreensão existencial.
Além disso, mesmo que a revelação do caráter e atributos divinos ocorra dentro da história do povo de Deus, isso não significa que seu ser se limita à fé humana, isto é, Deus permanece sendo quem é, independentemente do homem encontrá-lo pela fé ou rejeitá-lo. Mesmo diante da recusa do ser humano em conhecer e crer no Deus revelado pela criação, ele continua possuindo seus atributos invisíveis, sua natureza e seu poder eterno (Rm 1.19-25).
Ao falar sobre a Palavra viva de Deus que teve sua origem num acontecimento histórico, isto é, em Jesus Cristo, ele não explica de modo claro o que este evento histórico traduz17  e questiona se “a pessoa e a obra de Jesus Cristo têm de ser entendidas por nós como a obra divina da redenção”.18  Juntamente com isso, Bultmann alega serem ilegítimas as concepções bíblicas cultuais, em que Deus oferece seu filho como vítima propiciatória, e jurídica, a não ser que sejam vistas como símbolos da fé.19  Assim, surge a questão sobre o modo pelo qual o autor aplicaria a demitologização às afirmações joaninas de Cristo como o sacrifício ou a propiciação pelos pecados dos homens (Jo 1.29; 1 Jo 2.1-2; 4.10), ou ao conceito forense da justificação humana pela fé em Cristo desenvolvido por Paulo (Rm 1 – 5).
ConclusãoA eloquência de Bultmann na parte final do capítulo cinco, correlacionando o empreendimento da justificação pela fé com o da demitologização, não legitima sua proposta hermenêutica cujas rachaduras são perceptíveis no livro. Certamente, há observações importantes e pertinentes que chamam a atenção para a necessidade de um método hermenêutico relevante e honesto. Todavia, as pressuposições da análise existencialista são estranhas ao pensamento bíblico e, portanto, não contribuem para o desenvolvimento de uma exegese adequada ao texto sagrado.
Cabe salientar, por último, a necessidade de uma revisão da grafia das expressões gregas, na última edição em português, que traz erros graves para uma publicação direcionada, especialmente, à academia teológica. A página vinte e sete, por exemplo, contém vários erros nítidos de acentuação e de uso errado da aspiração no começo das palavras.

Jesus de Nazaré. Primeira Parte: do Batismo no Jordão à Transfiguração.

Em Jesus de Nazaré, Joseph Ratzinger procura mostrar a figura central do cristianismo, Jesus de Nazaré, a partir de um ponto principal: o retrato do Jesus dos Evangelhos, tal como viveu sobre a terra, trazendo Deus ao homem, e a partir de Deus, a imagem correta do homem.

A imagem de Jesus, em Jesus de Nazaré é construída a partir da sua comunhão com o Pai, sem a qual nada se pode compreender a seu respeito. Um outro ponto de apoio do autor é a unidade da Escritura como um dado teológico: o Antigo e o Novo Testamento pertencem um ao outro e Jesus Cristo é a chave do conjunto que dá unidade, pressupondo uma decisão de fé que traz junto a si uma razão histórica.

Definindo sua obra não como um ato magisterial, mas fruto de sua busca pessoal pelo rosto do Senhor (Sl 27,8), o autor pede em seu prefácio um adiantamento de simpatia, para uma maior liberdade de compreensão da figura única de Jesus de Nazaré.

De forma introdutória, J.Ratzinger lança um primeiro olhar sobre o mistério de Jesus, traçando um paralelo entre Ele e Moisés. Em Jesus, cumpre-se a promessa do novo Moisés: Ele vive na mais íntima unidade com o Pai, não apenas como “amigo”, mas como “Filho”, e que por isso pode dar a conhecer o Pai (cf. Jo 1,18; Jo 14,9).

Os capítulos 1 e 2 tratam, em uma visão de conjunto, do batismo de Jesus no Jordão por João Batista e das tentações de Jesus, respectivamente. No batismo, João o apresenta como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, iluminando o mistério do batismo cristão a partir do seu caráter teológico a partir da cruz. A descida do Espírito Santo sobre Jesus, fruto imediato do batismo institui formalmente o seu ministério. A partir de então, Jesus está definitivamente subordinado à sua missão salvadora e é levado pelo mesmo Espírito ao deserto para ser tentado pelo demônio (Mt 4,1): é uma luta pela sua missão contra as deturpações desta missão: “A missão consiste em descer aos perigos do homem, porque só assim pode o homem caído ser levantado: Jesus (isso pertence ao cerne da sua missão) deve penetrar no drama da existência humana, atravessá-la até seu último fundo, para encontrar a ovelha perdida, coloca-la em seus ombros e leva-la para casa” (p. 40).

O capítulo 3 contempla o início do anúncio do Evangelho por parte de Jesus, e o centro deste anúncio é o Reino de Deus, que está “próximo” (Mc 1,14s). O autor explica o Reino em três dimensões a partir dos Padres da Igreja:

- dimensão cristológica: Jesus como o Reino de Deus em pessoa – “autobasiléia”;
- dimensão idealista ou mística: vê o Reino essencialmente na interioridade do homem;
- dimensão eclesiológica: que vê o Reino próximo à Igreja, mas colocados de um modo
distinto um em relação ao outro.

O tema do Reino de Deus só é compreendido a partir da totalidade da pregação de Jesus, que tem Deus como centro. Mas precisamente porque Jesus é o Filho, “toda a sua pregação é mensagem do seu próprio mistério, a cristologia, isto é, discurso acerca da presença de Deus na sua própria ação e no seu próprio ser” (p. 70).

No capítulo 4 - o Sermão da Montanha – vamos encontrar o conteúdo da pregação de Jesus desenvolvido em profundidade, e dividido em duas partes: as bem-aventuranças, e a Tora do Messias. Destaca-se a esta altura o comentário do autor a respeito da obra que trata do “diálogo” do rabino e crente judeu Neusner com Jesus (A Rabbi talks with Jesus. An Intermillenial interfaith exchang . Doubleday, 1993). No Sermão da Montanha, Jesus não está entre nós como rebelde ou liberal, mas como o intérprete e profeta da Tora, que a cumpre “na medida que indica à razão que atua historicamente o seu lugar de responsabilidade” (p. 120).

A Oração do Senhor, o Pai-Nosso, ocupa o capítulo 5 de Jesus de Nazaré, sendo apresentado como a verdadeira forma de rezar. No Pai-Nosso rezamos ao Pai a partir da comunhão com Jesus: com Cristo ao Pai pelo Espírito Santo (oração trinitária).

Os capítulos 6 e 7 ocupam-se de dois temas bíblicos importantes: os discípulos (cap. 6), e a mensagem das parábolas (cap. 7), dividido este em duas partes: essência e finalidade das parábolas e as três grandes parábolas de S.Lucas – a história do samaritano (Lc 10,25-37); a parábola dos dois irmãos (Lc 15,11-32); e a narração sobre o homem rico e o pobre Lázaro (Lc 16,19-31).

Em seu capítulo 8, J.Ratzinger volta nossa atenção para um olhar mais atento ao Evangelho de S. João. Nele, não ouvimos parábolas, mas grandes discursos simbólicos que vão traçando o caminho de Jesus até Jerusalém, em uma cristologia explícita e bastante desenvolvida, onde a divindade de Jesus aparece claramente. As quatro grandes imagens encontradas no quarto evangelho são trabalhadas teológica e liturgicamente, ligando esse caminho de Jesus com as grandes festas judaicas. Essas imagens sacramentais são: a água, a videira e o vinho, o pão e o pastor. Neste sentido, os próprios discursos de Jesus remetem para o “sacramento” (p. 208).

A confissão de Pedro e a Transfiguração de Jesus são os dois temas do capítulo 9, colocados como importantes balizas no caminho de Jesus e dos discípulos. É, de fato, aqui que Jesus põe a pergunta sobra a sua pessoa e a sua missão (Mc 8,27-30; Mt 16,13-20; Lc 9,18-21) e que, através da sua transfiguração “explica e aprofunda a confissão de Pedro e ao mesmo tempo faz sua ligação com a morte e a ressurreição de Jesus (Mc 9,2-13; Mt 17,1-3; Lc9,28-36)” (p. 247).

O último capítulo da obra (capítulo 10), trata das auto-afirmações de Jesus, das auto-designações de Jesus que encontramos nos Evangelhos: “o Filho do homem”, “Filho de Deus” e “Eu Sou”. São palavras em que Jesus simultaneamente oculta e desvenda o seu mistério, mostrando ao mesmo tempo seu enraizamento no Antigo Testamente e sua originalidade na qual aparece como de importância central a palavra “Filho”, que corresponde à aclamação “Abba-Pai” (p. 298).

Em Jesus de Nazaré, o autor nos coloca sobretudo em contato com o rosto bíblico de Jesus, para a partir dele, nos por a caminho no discipulado. Esse é o caminho da glória, mas que passa necessariamente pela cruz, convidando-nos a percorrer o caminho do conhecimento do Senhor em nossas vidas, a partir da figura central do homem Jesus, que a primeira comunidade soube acolher em toda a sua novidade própria, confessando-o Senhor e Cristo.

Jesus of the Nazareth

Methodology

             According to the preface to the first part of his work, Joseph Ratzinger began his dream of building the text “Jesus of Nazareth”, a few years before his appointment as the supreme pontiff of the Roman Apostolic Catholic Church, through the cardinal college, in the conclave of the year 2005, after the death of Pope John Paul II.

            The corpus being elaborated in three volumes, it has as its central theme the approach on the person “Jesus of Nazareth”, whose figure is fundamental in the Christian faith, not so much as a theory, but a persona, God himself made flesh, manifested in life concrete - daily life, whose relationship with humanity has revealed and continues to reveal divine filial love for all men.

            Ratzinger makes it clear that despite the publication of this great commentary on Jesus, during his pontificate, he does not present it in a magisterial format, that is, explaining his singular character, that is, the result of his own experience and elaboration of reflection, subject to theological contestation - someone else's literary.

            Already in the intricacies of the first part of “Jesus of Nazareth”, he emphasizes the value of biblical exegesis, mainly using some historical-ecclesiastical data, such as the publication of the encyclical: Divino afflante spiritu in 1943, whose ecclesial opening to hermeneutic-exegetical research, under the historical-critical methodological perspective it worked as an awakening and impulse for Catholic scholars, such as Rudolf Schnackenburg, quoted by Ratzinger in the preface to his first volume.

            Other relevant documents of the magisterium such as the conciliar constitution “Dei Verbum” (from Vatican II) and those of the Pontifical Biblical Commission: “The interpretation of the Bible in the Church” and “The Jewish people and their Holy Scripture in the Christian Bible” were also shown elementary to Ratzinger's theological clarification.

This one will defend the unspeakable and unavoidable importance of historical-critical exegesis, the investigation of the engendering traditions of texts: its historical character of scriptural erection.
 
However, it will not present it as the only model of interpretive “diving” in the Sacred Scriptures, following the steps of the Magisterium itself, which points, for example, to canonical exegesis, based on the totality already formed and present in the biblical books constituted in the canon. .
 
            It does not propose a theoretical encounter with an icon of global history, nevertheless, an authentic approach to Jesus, a person, who also being historical, is the “Christ of faith” - thus breaking the dichotomy established in the 1950s, immanent in the spheres academics.
 
            His theology, in this way, ratifies the unity defended by the Church between the human and divine dimensions of Jesus, and indicates, in the subtleties of his theological work, a path of personalized discipleship and encounter with the Lord.
 
 
“Jesus of Nazareth”: volume I
 
Regarding the structure of “Jesus of Nazareth”, it is not by chance that Ratzinger chooses to introduce the Galilean ministry through the volume first: starting from the baptism in the Jordan River until the event of the Transfiguration, for which in the whole of Jesuit public life, little little by little, the messianic (Christ) character is being unveiled.
 
With regard to the chapters, they are subdivided, respectively, as follows: the baptism of Jesus; Jesus' temptations; the Gospel of the Kingdom of God; the Sermon on the Mount; the Lord's prayer; the disciples; the message of the parables; the great images of São João; two important beacons on Jesus' path: Peter's confession and the Transfiguration; and Jesus' self-affirmations.
 
 The Kingdom of God:
 
 “After John was arrested, Jesus came to Galilee. He preached the Gospel of God and said: The time is complete, the Kingdom of God is at hand. Convert and believe in the Gospel ”(Mc 1,14ss) - Ratzinger also presents in this first book, as mentioned above (in the third chapter) the question about the Kingdom of God, a conceptual principle so debated by theologians, although it is unanimously accepted as the center of the evangelical proclamation.
 
Some tend to generate a certain schizophrenia between the Kingdom, Jesus and the Church, following the denunciation of the Author. Another view agreed by Ratzinger will defend, on the other hand, the semantic complementation between them.


The Theologian quotes three propositions: One is configured from the Kingdom as the immediate identification with Jesus himself, a kind of “autobasileia” (Origen): Jesus is the Kingdom already present among us. The other, from an idealistic perspective: the Kingdom as something that comes from the interior (spiritual) coming from the action of man (from the interior to action), and also as an ecclesiological explanation: not the full equivalence, but the approximation between Kingdom and Church. Certainly, the relation between the points of view listed cannot be denied, however it must be borne in mind that the gospels show a greater reality about the Kingdom: Various realities are embraced, which reveal God's plan to reign in the world, that is, where the Presence, which is Jesus-Kingdom, helped by the Church (promoter of the seeds of the Kingdom), transmits the values ​​of a different world, where solidarity and love must be the guiding flags of praxis.  According to this conjunction of the concepts reiterated above, the Kingdom does not end in a single perspective, but opens itself to the greatest, to the good established among men, as the first fruits of the eschatological sign of full life (cf. Jn 10,10) for all, culminating in eternity.

· Jesus of Nazareth: volume II
 
Continuing his intellectual production, the pope writes two more volumes, completing the cycle about “Jesus of Nazareth”.
 
The second volume with the subtitle: “From the entry into Jerusalem until the Resurrection” - it encompasses exactly the critical and, at the same time, grandiose period of the Jesuit ministry, from the moments preceding his passion and death, to the mystery of the resurrection, which is wrapped.
 
If the son of God is dead, can there be hope?
 
The glorification of God by the resurrection will allow a new hermeneutics for men, responds the “Ratzingerian” reflection.
 
Christ (Messiah), savior, resurrected, not as a returned corpse, but as a new, transfigured body, a sign of the new creation inaugurated, will allow men an unbreakable faith, open to the infinite, to the unlimited transcendent, builder of a different world, of the resurrection of all, of the definitive “vitalization” of humanity.
 
This will be engendered as one of the themes inserted in the second part of Jesus of Nazareth, whose structural subdivision is given by the following chapters, respectively: entry into Jerusalem and purification of the temple; the eschatological discourse of Jesus; the foot wash; the priestly prayer of Jesus; The last supper; Gethsemane; the Jesus process; the crucifixion and the deposition of Jesus in the tomb; and Jesus' resurrection from the dead.
The pope will once again affirm the need to go beyond the methodological principles of historical-critical exegesis, and will not justify the intention of writing a Christology manual, especially its valorization character, through its textual sinuosities, the personal encounter with Christ Jesus:
 
 I tried to develop a look at the Jesus of the Gospels and a listening to Him that could become an encounter and, however, in listening in communion with Jesus' disciples of all times, also reach the certainty of the truly historical figure of Jesus (BENTO XVI, 2011, p. 14).

Jesus of Nazareth: volume III
 
As a conclusion to his theological essay, Benedict XVI composes the third and final part, entitled: “The childhood of Jesus”.
 
Despite its not very extensive writing, this booklet has a reflective depth, presenting some elements connected to the so-called “childhood gospels” in Luke and Matthew.
 
Ratzinger presents some singularities, even questioned peculiarly by the society, as the question of the crib, much more a symbol, than a historical concreteness, regarding the details of how many and which animals were at that moment.
 
The chapters will be subdivided as follows, respectively: “where are you from?” (Jo 19,9); the announcement of the birth of John the Baptist and Jesus; the birth of Jesus in Bethlehem; and the wizards of the East and the flight to Egypt.
 
The text concludes with an epilogue on the adolescence of Jesus, a phase also shrouded in mystery, but which illuminates an important phase in the life of Galileo - his being with his family and the local people, constituents of his subjective identity as a historical being , embodied in a specific reality


·Final considerations:
Among the points highlighted, still in the preface to the third volume, Ratzinger introduces with a beautiful statement, fundamental to the Christological study, which we also place as a prediction at the end of this textual commentary work:
 
"I am well aware that this dialogue, in the connection between past, present and future, can never happen completely and that any interpretation falls short of the greatness of the biblical text" (Benedict XVI, 2012, p. 10).

Jesus de Nazaré II parte de Bento XVI

A segunda parte da obra “Jesus de Nazaré”, de Joseph Ratzinger – Bento XVI, foi lançada nesta quinta-feira, 10. A obra está dividida em nove capítulos e é dedicada aos momentos que precederam a morte de Jesus e a sua ressurreição, mostrando as palavras e acontecimentos decisivos da vida de Cristo.
A seguir, confira um resumo dos principais pontos abordados em cada um dos capítulos da obra:
Capítulo 1 – Fala sobre a entrada de Jesus em Jerusalém, recebido com festa pela multidão, sentado sobre um jumentinho, como “um rei da paz e um rei da simplicidade, um rei dos pobres”. Não é um revolucionário político, “não se fundamenta sobre a violência; não inicia uma revolta militar contra Roma. O seu poder é de caráter contrário: é na pobreza de Deus, na paz de Deus que Ele identifica o único poder salvífico”, salienta Bento XVI.
O Santo Padre destaca que a violência não instaura o Reino de Deus. Ao contrário, é um dos instrumentos preferidos do anticristo, não servindo à humanidade, e sim desumanizando-a. “Jesus não vem como destruidor; não vem com a espada do revolucionário. Vem com o dom da cura”. Cristo, salienta o Bispo de Roma, dedica-se àqueles que, por causa de suas enfermidades, são colocados a margem da sociedade, mostrando Deus como Aquele que ama.
Particularmente, Ele é recebido com alegria pelos pequenos, “por aqueles que são capazes de ver com o coração puro e com simplicidade e que são abertos a sua bondade”, enfatiza o Papa. No dia seguinte à entrada em Jerusalém, Jesus combate a relação entre religião e comércio, salientando que o tempo se tornou um covil de ladrões.
Capítulo 2 – Após a entrada em Jerusalém, é proclamado “o grande discurso escatológico de Jesus, com os temas centrais da destruição do templo, da destruição de Jerusalém, do Juízo final e do fim do mundo”. Jesus, conta o Pontífice, tantas vezes quis acolher os filhos de Jerusalém, mas eles não quiseram, e depois os romanos destróem o templo e fazem um massacre dos judeus.
Para o judaísmo, “a destruição do templo deve ter sido um grande choque”: com o fim dos sacrifícios expiatórios eles não poderiam fazer nada que compensasse o mal crescente no mundo. Mas, com Jesus, “é superada a época do tempo de pedra. Inicio-se algo novo. Jesus mesmo é colocado no lugar do tempo, é Ele o novo templo, é a presença de Deus vivente. Nele Deus e homem, Deus e o mundo se encontram”. No seu amor, desfaz-se todo o pecado do mundo.
Jesus, no discurso escatológico, fala do tempo dos pagãos, localizado entre a destruição de Jerusalém e do fim do mundo: durante esse tempo, “o Evangelho deve ser levado a todo o mundo e a todos os homens: somente depois a história poderá chegar a sua meta”.
Deus quer salvar a todos. Jesus diz “o céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”. A Palavra, salienta Bento XVI, é mais real e mais duradoura que todo o mundo material, “é a realidade verdadeira e confiável. Os elementos cósmicos passam; a palavra de Jesus é o verdadeiro ‘firmamento’ no qual o homem pode estar e permanecer”.
Capítulo 3 – Ao lavar os pecados, Jesus se despoja de seu esplendor divino para purificar a sujeira do mundo e para “tornar-nos capazes de participar do banquete nupcial de Deus”, realizando uma mudança radical na história da religião: diante de Deus, “não é a prática de rituais que purifica”, mas é “a fé que purifica o coração”.
O Papa explica que a novidade do Evangelho não pode consistir na elevação da prestação moral. “A nova Lei é a graça do Espírito Santo, não é uma nova norma, mas a nova interioridade doada pelo próprio Espírito de Deus”, salienta.
Segundo Bento XVI, somente se as pessoas se deixarem ser lavadas repetidamente por Deus poderão aprender a fazer junto a Ele aquilo que Ele fez. “Devemos deixar-nos imergir na misericórdia do Senhor para que, assim, nosso coração possa ser caminho de justiça”, salienta o Papa. O mandamento novo do amor “não é simplesmente uma exigência nova e superior: ele está ligado à novidade de Jesus Cristo – ao crescente ser imerso n’Ele”, afirma o Santo Padre.
A pureza é um dom, como ser cristão também é um dom que se desenvolve na dinâmica do viver e agir junto com este dom. Joseph Ratzinger explica que Pedro e Judas são dois modos diferentes de reagir diante desse dom. Ambos o acolhem, mas depois um o renega e outro o trai. Pedro, arrependido, crê no perdão. Também Judas arrepende-se, mas não “consegue mais acreditar no perdão. O seu arrependimento torna-se desespero… vê então somente as próprias trevas, é destrutivo e não é um verdadeiro arrependimento”. Em Judas, encontra-se o perigo que percorre todos os tempos, o perigo de quem, uma vez iluminado, através de uma série de formas aparentemente pequenas de infidelidade, decai espiritualmente e chega, ao final, saindo da luz, entra na noite e não é mais capaz de conversão.
Além disso, em Judas, que o trai, Jesus experimenta “a incompreensão, a infidelidade até no interior do círculo mais íntimo dos amigos. A ruptura da amizade acontece até na comunidade sacramental da Igreja, onde sempre de novo há pessoas que tomam ‘o seu pão’ e o atraiçoam”.
Capítulo 4 – A oração sacerdotal de Jesus é compreensível somente com o pano de fundo da liturgia da festa judaica da Expiação (Yom kippùr). A elevação de Jesus sobre a Cruz constitui “o dia da Expiação do mundo, em que toda a história do mundo encontra o seu sentido”: aquele de reconciliar-se com Deus. O não ser reconciliado com Deus constitui o problema essencial de toda a história do mundo.
A missão de Jesus é universal, é a de fazer com que “o homem, no tornar-se uma só coisa com Deus, volte a ser totalmente ele mesmo. Essa transformação, no entanto, tem o preço da cruz e, para as testemunhas de Cristo, aquele da disponibilidade do martírio”.
Capítulo 5 – O Papa afronta a questão das datas distintas da Última Ceia entre os Evangelhos Sinóticos e o Evangelho segundo João. Salienta que a pesquisa histórica pode chegar somente até certo grau de probabilidade, nunca a uma certeza última. “Se a certeza da fé baseasse-se exclusivamente sobre uma abordagem histórico-científica, permaneceria sempre passível de revisão”, adverte Bento XVI, complementando que a certeza última é-nos dada pela fé – o crer com a Igreja guiada pelo Espírito Santo.
Segundo o Papa, “a Última Ceia significa a sua despedida, pois não pertencia a nenhum determinado rito judaico. Ele dava algo de novo, dava a si mesmo como o verdadeiro Cordeiro, instituindo assim a Páscoa”. Bento XVI salienta que “aquilo que a Igreja celebra na Missa não é a última ceia, mas aquilo que o Senhor, durante a última ceia, instituiu e confiou à Igreja: a memória da sua morte sacrifical”.
Capítulo 6 – No Getsêmani, Jesus experimentou a última solidão e toda a tribulação do ser homem. Pedro é contrário à cruz e é apontado pelo Papa como sinal daquela atitude que tenta continuamente os cristãos e também a Igreja: sem a cruz, chegar ao sucesso.
Jesus pede que os discípulos façam vigília, mas é em vão. Uma angústia suprema assola Jesus, na consciência de tomar sobre si todo o mal do mundo: “é o encontra mesmo entre luz e trevas, entre vida e morte – o verdadeiro drama da escolha que caracteriza a história humana”. Jesus eleva a sua súplica ao Pai, Àquele que pode salvá-lo da morte.
Capítulo 7 – Bento XVI aborda o processo contra Jesus e sublinha que não foi o povo judeu como tal que desejou a morte de Cristo, pois também Jesus e seus discípulos eram judeus. Quem o acusava era a aristocracia do templo, mas com exceções (como Nicodemos), e os apoiadores da soltura de Barrabás.
Durante o processo, Pilatos pergunta: “O que é a verdade?”. O Papa indica: “A não redenção do mundo consiste no não reconhecimento da verdade, uma situação que, depois, conduz inevitavelmente ao domínio do pragmatismo e, desde modo, faz que o poder dos mais fortes torne-se deus deste mundo”.
Bento XVI recorda que, da mesma forma como Pilatos, muitos hoje entendem a questão acerca da verdade “irresolvível”. “Mas, sem a verdade, o homem não alcança o sentido da vida, deixa o campo aos mais fortes. A verdade torna-se reconhecível em Jesus Cristo. Externamente, ela é imponente no mundo – como Cristo, frente aos critérios do mundo, parece sem poder… é crucificada. Mas exatamente assim, na total falta de poder, Ele é poderoso, e somente assim a verdade torna-se sempre novamente uma potência”.
Capítulo 8 – A crucificação e a deposição de Jesus no sepulcro. O Papa recorda que ninguém esperava o fim do Messias na cruz, um fato, num primeiro momento, incompreensível e que levou a uma nova compreensão da Escritura.
Bento XVI recorda que a primeira palavra de Jesus sobre a Cruz é o pedido de perdão para os crucificadores, pois “não sabem o que fazem”. Ele também indica a figura do bom ladrão sobre a cruz como a imagem da esperança, “a certeza consoladora de que a misericórdia de Deus pode alcançar-nos também no último instante; a certeza de que a oração que implora a sua bondade não é em vão”.
O Papa também defende que “o bem é sempre infinitamente maior que todo o mal, por mais terrível que seja. Por isso, ao centro do ministério apostólico e do anúncio do Evangelho deve estar o ingresso no mistério da cruz. Ali, a obscuridade e a ilogicidade do pecado encontram-se com a santidade de Deus na sua luminosidade deslumbrante para os nossos olhos e isso vai além da nossa lógica. No entanto, na mensagem do Novo Testamento e na sua verificação na vida dos santos, o grande mistério torna-se totalmente luminoso. O mistério da expiação não deve ser sacrificado devido a qualquer racionalismo pedante”.
Capítulo 9 – A ressurreição de Jesus dentre os mortos. “Sem a fé na ressurreição a fé cristã é morta. Somente se Jesus ressuscitou aconteceu aquilo de verdadeiramente novo que transforma o mundo e a situação do homem”, diz o Papa.
O Pontífice explica que a ressurreição não foi o milagre de um cadáver reanimado. “Foi a entrada em um gênero de vida totalmente novo, rumo a uma vida não mais sujeita à lei do morrer e do tornar-se, mas que vai além disso – uma vida que inaugurou uma nova dimensão do ser homens. É uma espécie de ‘mutação decisiva’, um salto de qualidade. Está aberta uma nova possibilidade de ser homem, uma possibilidade que interessa a todos e abre um futuro, um novo gênero de futuro para os homens”.
Bento XVI questiona se a ressurreição estaria em contraste com a ciência. “Em toda a história daquilo que vive, os inícios das novidades são pequenos, quase invisíveis – podem ser ignorados. O Senhor mesmo disse que o ‘reino dos céus’, neste mundo, é como um grão de mostarda, a menor de todas as sementes. Mas traz em si a potencialidade infinita de Deus. A ressurreição de Jesus, do ponto de vista da história do mundo, é imperceptível, é a menor semente da história. Essa inversão da proporções faz parte dos mistérios de Deus. No final da contas, aquilo que é grande, poderoso, é o pequeno. E a semente pequena é a verdadeiramente grande. A ressurreição é um evento dentro da história que, todavia, quebra o âmbito da história e a supera”.
O Pontífice declara que é próprio do mistério de Deus agir de modo submisso. “Somente aos poucos Ele constrói na grande história da humanidade a sua história… Continuamente Ele bate de modo submisso na porta de nossos corações e, se lhe abrimos, lentamente torna-nos capazes de ‘ver’. Não é exatamente esse o estilo divino? Não sobrecarregar com o poder exterior, mas dar liberdade, doar e suscitar amor”.
Conclusão – E subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai e, de novo, vira em glória. O testemunho dos discípulos de Jesus “traduz-se essencialmente em uma missão: devem anunciar ao mundo que Jesus é o Vivente – a Vida mesma”.
Segundo o Papa, a narrativa do Evangelho de São Lucas sobre a ascensão diz que “os discípulos ficaram cheios de alegria depois que o Senhor ficou definitivamente distante deles. Não se sentem abandonados. Estão seguros de que o Ressuscitado exatamente agora está presente em meio a eles de uma maneira nova e poderosa, que não se pode mais perder. Está sempre presente em meio a nós e por nós”.
A confiança e a razão da alegria dos cristãos é que o Senhor sempre vem no momento oportuno, na expectativa de que Ele virá na glória. A fé no retorno de Cristo é o segundo pilar da profissão cristã. Isso implica a certeza na esperança de que Deus enxugará toda a lágrima, não permanecerá nada que seja privado de sentido, toda injustiça será superada e estabelecida a justiça. A vitória do amor será a última palavra da história do mundo. Nesse meio tempo, é pedida aos cristãos a vigilância. Vigilância significa sobretudo abertura ao bem, à verdade, a Deus, em meio a um mundo frequentemente inexplicável e em meio ao poder do mal. Os cristãos invocam a vinda definitiva de Jesus e veem, ao mesmo tempo, com alegria e gratidão Ele já agora antecipa a sua vinda, já agora entra em meio a nós. ‘Eu estou convosco todos os dias, até o fim do mundo'”.