1. Introdução
O Evangelho de marcos, escrito no I século da era cristã, está profundamente marcado pela dicotomia: Filho de Deus e Filho do Homem. Esse dois termos são complementares.Apresentam o Jesus Humano, sofredor, e ao mesmo tempo, apontam para o filho de Deus, após a paixão e morte de cruz, vitorioso e ressuscitado. Esse formato do Evangelho visa alentar os cristãos que se tornaram alvo de megalomaníacas perseguições deflagradas pelo Imperador Romano, Nero. No do início da segunda metade do século I por volta do ano 64 d.c.
Alocados no seio dessas duas acepções – filho de Deus e filho do Homem- reside uma das perspectivas sob a qual o evangelho de Marcos foi escrito, isto é, sob a noção de Segredo, que W. Wrede chama de Segredo messiânico e Gnilka recomenda chamar de “segredo do filho de Deus” (GNILKA, Joachim. El evangelho Segun San Marcos. V.I. Salamanca: ediciones Sigueme. 1986. p.198.), pois a acepção da filiação divina é muito cara a Marcos.
Este artigo será norteado pela reflexão cunhada por de Joacquim Gnilka em sua obra “El Evangelio segun San Marcos nas várias leituras que ele faz da questão.
2. SEGREDO MESSIANICO: Teoria e fundamentação Bíblica
2.1. Fundamentação Bíblica
No escrito de marcos pode-se elencar um grande número de textos que apontam ou que denotam o segredo messiânico. São sempre expressões que revelam um pedido insistente e até enérgico de Jesus com relação a sua identidade de filhos de Deus, messias. Vejamos:
a) Com relação aos demônios:
Mc 1,34: “e ele curou muitos doentes atacados de diversas moléstias, e expulsou muitos demônios; mas não permitia que os demônios falassem, porque o conheciam.”
Mc 3,11: “E os espíritos imundos, quando o viam, prostravam-se diante dele e clamavam, dizendo: Tu és o Filho de Deus. “
b) Com relação aos doentes:
Mc 1, 44 - 45:“dizendo-lhe: Olha, não digas nada a ninguém; mas vai, mostra-te ao sacerdote e oferece pela tua purificação o que Moisés determinou, para lhes servir de testemunho. Ele, porém, saindo dali, começou a publicar o caso por toda parte e a divulgá-lo, de modo que Jesus já não podia entrar abertamente numa cidade, mas conservava-se fora em lugares desertos; e de todos os lados iam ter com ele.”
MC 5,43: “Então ordenou-lhes expressamente que ninguém o soubesse; e mandou que lhe dessem de comer.”
Mc 7,36: “Então lhes ordenou Jesus que a ninguém o dissessem; mas, quando mais lho proibia, tanto mais o divulgavam.“
Mc 8,26: “Depois o mandou para casa, dizendo: Mas não entres na aldeia.”
c) Com relação aos discípulos: Incompreensão e não entendimento das ações de Jesus
Mc 6,52: “pois não tinham compreendido o milagre dos pães, antes o seu coração estava endurecido.”
Mc 8, 29-30: “Então lhes perguntou: Mas vós, quem dizeis que eu sou? Respondendo, Pedro lhe disse: Tu és o Cristo. E ordenou-lhes Jesus que a ninguém dissessem aquilo a respeito dele”.
Mc 9,9: “Enquanto desciam do monte, ordenou-lhes que a ninguém contassem o que tinham visto[transfiguração], até que o Filho do homem ressurgisse dentre os mortos”
d) Na incompreensão das parábolas
Mc 4,10-13 : “Quando se achou só, os que estavam ao redor dele, com os doze, interrogaram-no acerca da parábola. E ele lhes disse: A vós é confiado o mistério do reino de Deus, mas aos de fora tudo se lhes diz por parábolas; para que vendo, vejam, e não percebam; e ouvindo, ouçam, e não entendam; para que não se convertam e sejam perdoados. Disse-lhes ainda: Não percebeis esta parábola? como pois entendereis todas as parábolas?”
Esses versículos enunciam especificamente o mandato de Jesus para que as pessoas(discípulos, doentes, espiritos) silenciem com relação a sua dignidade de filho de Deus, messias. Esse mandato, na perspectiva do Evangelho de Marcos, é sempre impossível de ser cumprido.
2.2. Teoria sobre o Segredo Messiânico.
Foi o teólogo alemão W. Werde que a partir de 1901, cunhou pela primeira vez o termo “Segredo Messiânico”. Consoante o seu raciocínio o conceito desse termo não está fundamentado no Jesus Histórico. Antes é uma sistematização teológica/dogmática apresentada segundo a comunidade do Evangelista. Desse pressuposto pode-se argüir que Jesus, possivelmente, não tenha vivido exatamente como é apresentado nos escritos de marcos. Essa sistematização é , diríamos, o corte epistemológico sob o qual o escritor descreve a figura de Jesus. Ou seja, Jesus é o filho de Deus que se revela progressivamente na sua vida publica e definitivamente no momento da cruz (cf.Mc 9,9)
A teoria do segredo Messiânico repousa sob três alicerces:
a) O mandato de Jesus para que seja guardado segredo a seu respeito: demônios, doentes e discípulos(tal como foi apresentado na secção anterior.)
b) A incompreensão e incredulidade dos discípulos. (tal como foi apresentado na secção anterior.)
C) Ensinamento de Jesus ao povo, sempre feito a partir de parábolas, para que eles não compreendessem totalmente a dimensão messiânica de Jesus(tal como foi apresentado na secção anterior.)
Segundo Gnilkga, valendo-se W. Wered, essa opção de Marcos é uma tentativa de Harmonizar a vida do Jesus Histórico, que foi pouco messiânica, com a fé da comunidade no Jesus pós-pascal.
Uma variedade de Hipóteses são levantadas para dar sustentação a essa noção. Uma primeira, e estritamente valida, é a espera judaica pelo messias. Na época de Jesus, e mesmo depois, muitas pessoas serviam-se dessa esperança messiância para obterem fama e prestigio bem como para evocarem revoluções puramente políticas. Apresentar Jesus como Messias triunfalista poderia suscitar uma interpretação radical e desencadear um movimento de caráter somente político conseqüentemente a intervenção armada de Roma. Por esse motivo que ocorre a opção por um cristo discreto que, paulatinamente, se revela com filho de Deus, sobretudo a partir da cruz – morte e ressurreição.
Outra hipótese é que o segredo messiânico é um instrumento estilístico/literário usado, sobretudo para orientar o leitor do evangelho na compreensão da gloria de Jesus e da grandeza revelação cristã da qual ele participa. O que parece razoável para o ambiente em que os cristão estão inseridos – perseguições de Nero.
Há ainda a idéia de que o evangelista apresenta essa noção para demonstrar aos cristãos porque os judeus não entenderam que Jesus era filho de Deus. Eles não compreenderam essa mensagem porque a verdadeira identidade de jesus, que só pode ser conhecida pelo seguimento a Ele, era um mistério, um segredo. Por isso que eles não viram Jesus desse modo.
Algumas características, para além da hipóteses que se levantam sobre essa teoria, podem ser atestadas. Primeiro Jesus se mostra muito reservado sobre o seu título de Messias. De fato ele não se auto-proclama messias, antes repreende os discípulos, os demônios e os doentes com relação a esse fato. Segundo Jesus não fala de seu messianismo antes de sua paixão. Com efeito, ele afirma aos discípulos que esse idéia só pode ser revelada depois que o filho do homem for a Jerusalém(cf. Mc 9,9). Por fim, o Jesus, que marcos apresenta, é o filho do Homem, que a partir da cruz se revela como filho de Deus.
3. CONCLUSÃO
A reflexão apresentada nessa pesquisa confluiu para exposição de uma, das inúmeras variantes de compreensão do Evangelho de Marcos.
A perspectiva do “Segredo Messiânico” é um elemento fundamental para apreensão do Evangelho de marcos. Esse Evangelho, segundo as atuais pesquisas bíblicas, é o escrito mais próximo do Jesus histórico. A compreensão de dados como o segredo sobre a identidade de Jesus permite entender como o seguimento ao “Filho do Homem”era alentado nas épocas de crise. Dado que o Evangelho é escrito num contexto de perseguição
Permite, ainda, compreender que para entender projeto de Jesus e conhecê-lo como filho de Deus é necessário seguir e viver as intempéries da vida para desse ponto, então, saber quem é O Filho de Deus encarnado na História e no sofrimento do povo.
Um ultimo ponto é a singularidade desse artifício literário para apresentar a fé no filho Deus aos leitores do Evangelho e, ao mesmo tempo, mostrar a grandeza da fé da qual o cristão participam.
Por fim pondera-se que esta pesquisa pode ser enriquecida e os dados aqui apresentados são apenas panorâmicos e visam estimular uma pesquisa mais ampla e profunda.
VAI E FAZE MESMA COISA (LUC 10, 37) “God in us and above us,” namely, “God in us,” is devalued. The result is a completely different concept of God: God, understood as “God above us,” becomes, as it were, the essence of the creature: the creature is reduced to an essence‐less apparition of the “God above us,” who alone is real and efficacious. Transcendence and immanence are no longer bound together in a tension of opposites, but have become identical.