AS 7 PALAVRAS DE JESUS NA CRUZ
Encontramo-nos hoje diante do Crucificado. E esta celebração da Paixão de Jesus é precisamente o pormo-nos diante da cruz para a adorarmos, para lhe aprofundarmos o sentido, mas também para a assumirmos como um caminho – um caminho que Deus fez por nós e um caminho que Deus nos convida a fazer com Ele.
A cruz era, naquele momento em que Jesus estava a ser executado, e continua a ser hoje, um sinal contraditório. Quem passasse mais distraído por ali, muitos dos que ali presenciavam aquele momento, olhavam para um homem derrotado. Viam na cruz um sinal de tortura, de castigo, da punição de alguém que cumpre uma pena que é merecida. Muito poucos dos que ali estavam, e depois muitos cristãos, ao longo do tempo, foram descobrindo na cruz algo maior, mais profundo, uma porta que se abre para uma vida nova, para a ressurreição que o Senhor nos quer fazer viver. E por isso a cruz é um caminho de vida, de luz, um caminho novo – um mapa para chegarmos ao coração do Pai.
A cruz mostra-nos também que o sofrimento não tem que ser desesperante, que o sofrimento não é a última palavra na nossa vida, e nem sequer é a última palavra da história. Nós vivemos, nestes últimos tempos, como que uma Sexta-feira Santa prolongada. Há muitos países que, com esta pandemia que temos estado a viver, com a quantidade de pessoas doentes, com o número de mortes que vão acontecendo, vivem já, desde há muito tempo, uma autêntica Sexta-feira Santa. Muitos estão pregados na cruz, no seu sofrimento, no seu medo, no seu desespero. O importante é que, no meio de tudo isso, nunca percamos a esperança, nunca deixemos de olhar não para a cruz – que é aquilo que inflige o sofrimento – mas para o Crucificado que é aquele que sofre, mas com o coração, com a vida entregues nas mãos de Deus.
Jesus, no conjunto dos quatro Evangelhos, diz apenas sete palavras desde o momento que é pregado na cruz. Sete palavras cheias de significado, que gostava de partilhar convosco, para que nos sirvam de oração e também de caminho.
“Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o fazem”
Esta primeira palavra, que nos aparece no Evangelho de Lucas, é dita do alto da cruz por Jesus e dirigida ao Pai.
Sabemos bem e que contexto é dita esta palavra – Jesus pede perdão ao Pai por aqueles que o trazem ali, para aqueles que o traem e entregam; pede perdão por aqueles que o executam.
A primeira palavra do alto da cruz é então uma palavra de perdão. O perdão chega antes dos insultos e da morte. Jesus, Deus, toma sempre a iniciativa do perdão – antes ainda de nós nos considerarmos pecadores, antes ainda de nos darmos conta dos nossos erros, das nossas quedas, das nossas faltas, já Deus está no movimento de nos perdoar, já Deus se ajoelha diante de nós para nos lavar os pés e nos reedificar com a Sua misericórdia. Compreender a cruz passa por compreender o perdão porque, de facto, a entrega de Jesus na cruz é um acto enorme de misericórdia de Deus, do perdão de Deus dirigido a todo o povo.
“Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”
A segunda palavra vem do Evangelho de Lucas e é-nos muito conhecida. É dirigida ao bom ladrão, um daqueles que era crucificado com Jesus naquele dia, como ouvimos no Evangelho.
Jesus promete o paraíso a um ladrão. Tantas vezes nós achamos que o paraíso, a eternidade, o estarmos no Céu com Deus é algo de inacessível, inalcançável para pessoas normais como nós. E o que vemos aqui é Jesus, no momento derradeiro da sua vida, prometer esse paraíso àquele bom ladrão. Um homem que estava ali condenado porque, de facto, tinha culpa. Mas foi dos poucos que, naquele cenário, foi capaz de reconhecer a realeza de Jesus, que aquele homem condenado ao seu lado era um inocente. Ele estava a ser crucificado precisamente por ser quem dizia ser. E aquele bom ladrão tem a capacidade de reconhecer isso. Ao falar do Reino reconhece Jesus como Rei. E se reconhece Jesus como Rei de um Reino que não é deste mundo, se lhe pede para estar com Ele nesse Reino, então é porque adere também a Jesus, reconhecendo-o como o Rei da sua vida, como o Rei que reina sobre o seu coração. E como é assim, neste gesto de verdade, de humildade, neste pedido simples que faz a Jesus, alcança o prémio maior que é o de poder estar na eternidade com Deus.
“Mulher, eis o teu filho. (…) Eis a tua mãe.”
A terceira palavra escutámo-la hoje, no Evangelho de São João que foi proclamado. É dirigida à Mãe e àquele discípulo que ali fica junto d’Ele.
Sabemos que, depois da prisão de Jesus, em que um dos discípulos o trai, o vende por 30 moedas, em que logo a seguir um outro discípulo muito importante o nega por três vezes como Jesus tinha previsto, os outros dispersam, praticamente fogem todos. Fica ali o “discípulo amado”, como São João nos diz, aos pés da cruz, junto de Nossa Senhora. E aquela comunidade que tinha sido dispersa depois da prisão de Jesus, quase que anunciando o fim daquilo que Jesus tinha começado, volta a ser reunida nesta palavra que Jesus dirige à Mãe e ao discípulo. Jesus dá aquela mãe ao discípulo para que ela o tome como seu filho. E, ao tomar como filho aquele discípulo, está a tomar como filhos seus todos os discípulos até agora, até cada um de nós. Quer dizer que Jesus, ao entregar um ao outro está, no fundo, a refundar a sua comunidade aos pés da cruz e por isso a Igreja surge aos pés da cruz do Senhor, a contemplar essa entrega amorosa e a fazer eco dessa entrega em ao longo dos tempos e em todas as partes da Terra. No discípulo, Maria assume todos os discípulos como seus filhos. Sabemos também que Maria é o modelo que a Igreja é chamada a seguir como Mãe. E, por isso, a Igreja é chamada a ser mãe dos discípulos tal como Maria é mãe de todos nós.
“Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”
A quarta palavra é novamente dirigida ao Pai. Aparece-nos no Evangelho de São Marcos e é também muito conhecida de todos nós. É retirada do Salmo 22, que assim começa, e é uma palavra diferente daquelas que escutámos até aqui. Parece um grito desesperado, de alguém que está aflito, que se sente abandonado num momento tão difícil da vida. De facto, certamente era assim que se sentia o salmista que 700 anos antes de Jesus escreveu estas palavras. Estaria num momento limite da sua vida, com certeza estaria num grande sofrimento e, nesse sofrimento, dirige-se para quem? Para Deus. Para lhe dar conta do que está a sentir, da solidão, do sentimento de abandono que eventualmente pode trazer no coração. Mas depois o Salmo 22 tem uma coisa muito bonita, porque não acaba assim – faz este trajecto da nossa Humanidade, tantas vezes ferida, mas depois acaba na esperança, entregando nas mãos de Deus, que sabe ser misericordioso, o desfecho daquele momento e daquela história. E o que vemos aqui é que, ao tomar como suas estas palavras, Jesus está a abraçar a experiência humana do sofrimento e da desolação, que é talvez aquela que mais nos causa vertigem, com a qual mais dificilmente sabemos lidar.
Este salmo é um salmo de confiança; então porque razão Jesus, do alto da cruz, não diz antes as palavras de confiança do salmo e diz “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”? Porque os judeus têm este hábito de evocar a primeira frase de um salmo para evocar o salmo todo. Por isso, quando Jesus está a dizer este abandono, está a assumir este salmo todo e que, apesar daquele momento limite, desafiante do sofrimento que está a experimentar, está totalmente confiado em Deus. E esta interpretação está em linha com as outras palavras de Jesus e com a sua postura calma e serena que até vai desconcertar todos os outros.
“Tenho sede”
A quinta palavra ouvimos também hoje, do Evangelho de São João.
De facto vemos Jesus, em alguns momentos, falar de sede. Também no evangelho de São João, junto do poço onde encontra a samaritana, Jesus diz-lhe “Dá-me de beber”. E isso, naquela altura, vai até desconcertar aquela mulher que não sabia quem Ele era.
Hoje, do alto da cruz, Jesus diz mais uma vez “Tenho sede”. Seria esta uma sede puramente humana, de quem tem vindo a esvair-se em sangue e que, por isso, começa já a sentir essa secura na sua boca? Ou será uma sede mais profunda? Jesus tem desejo de qualquer coisa, tem sede de qualquer coisa… Penso que aqui podemos ler de duas maneiras. Primeiro, porque Jesus tem sede de voltar ao Pai, de levar até ao fim, em obediência, a missão que o Pai lhe confiou. E a segunda interpretação possível é que, de facto, Jesus também tem sede de nós, da nossa vida, do nosso coração voltado para Ele. Jesus tem sede de que nós lhe confiemos a nossa existência totalmente. E por isso esta sede é mais profunda do que uma sede puramente humana. Aliás, nada na cruz se reduz ao simplesmente humano; há ali, de facto, um projecto de Deus a acontecer, um projecto que vai muito mais longe do que aquilo que se vê ou se sente naquele momento.
“Tudo está consumado”
A sua sexta palavra, também do Evangelho de São João que escutámos, não é um grito de resignação, de alguém que percebe que o fim está eminente mas, pelo contrário, é um grito de triunfo! Quer dizer “tudo está perfeito”, “tudo está como devia estar”, “a obra que fui enviado a realizar está terminada”, “a vida foi entregue como devia ser”.
Ouvíamos ontem, no Evangelho de Quinta-feira Santa, que Jesus, amando os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim. É disse que se trata quando Jesus diz “Tudo está consumado” – o amor foi levado até ao fim como devia ter sido. Jesus amou-nos de forma perfeita e mostrou na cruz o caminho para sabermos amar de forma perfeita entregando a vida. Ele consumou o amor por nós.
“Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito”
No Evangelho de São Lucas aparece-nos a sétima e última palavra que Jesus diz do alto da cruz, mais uma dirigida ao Pai.
Jesus devolve tudo ao Pai, coloca tudo nas mãos de Deus – tudo o que tem mas sobretudo tudo o que é. Mais, coloca-nos a nós, a história da Humanidade, a continuação do mundo nas mãos do Pai. É um acto supremo de confiança este que Jesus, no momento de expirar, realiza para com Deus.
Quando Jesus morre, diz-nos o texto, que o Sol e a Luz ficam obscurecidos, as trevas recaem sobre a Terra e Deus guarda um silêncio profundo. Mas depois vem a Páscoa! E a Páscoa é que dá sentido a tudo o que aconteceu até aqui na cruz, na Paixão, na história de Jesus. De facto, como dizia há pouco, o capítulo da cruz não é o último da história de Jesus, desta história da salvação, da nossa relação com Deus.
“Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito”: o espírito é entregue nas mãos do Pai para que, daí a pouco, no Pentecostes, o Pai pudesse derramar o Espírito sobre a comunidade reunida, a Igreja que aí dava os seus primeiros passos.
Depois da morte de Jesus, o silêncio. A ressurreição rasgará com estrondo esse silêncio, o grito da vida abafará o gemido da morte, a luz dissipará para sempre as trevas. Em silêncio, esperemos.
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A PAZ DE CRISTO E AMOR DE MARIA.
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